Recentemente me deparei com essa pergunta ao solicitar a entrada em um grupo de macramê no facebook. A pergunta me fez refletir e decidi falar um pouquinho sobre isso aqui. Quem me acompanha sabe que não sou muito de “misturar as coisas”, dificilmente posto fotos minhas pessoais ou falo na primeira pessoa nos posts que faço tanto no meu blog do site como nas redes sociais da Kaviah. Talvez apenas por timidez ou até mesmo por querer preservar minha privacidade a que tanto prezo. Sempre achei que minhas peças falariam por mim e não seriam necessárias maiores explicações.
Acontece que o mundo mudou. Não há como negar. Quando abri a página da Kaviah no facebook, há exatamente 10 anos atrás (dia 10 de dezembro de 2010), quase não haviam páginas de macramê no Brasil. O alcance das postagens era bem satisfatório, o número de curtidas cresceu organicamente e muito rápido. A era da internet estava se consolidando ainda sob muito receio e preconceito e no meu nicho fui uma das precursoras no Brasil. Como não sou muito ativa nas redes e acabo abandonando de tempos em tempos as publicações e muita gente nova foi aparecendo por aí, acabei “ficando pra trás”. Não que ache que esteja perdendo uma corrida, pois nunca me senti na corrida por nada nessa vida, prefiro caminhar no meu ritmo próprio pois a minha vida vai muito além do trabalho e do próprio macramê em si.
Hoje, em uma busca rápida pelas principais redes sociais é possível encontrar macrameiros de primeira categoria com trabalhos incríveis. Os materiais para se trabalhar, pedras, bolinhas de bronze, fios de qualidade, antes mais difíceis de encontrar, as vezes dependendo de viagens continentais, hoje se consiguem com apenas com alguns cliques sem precisar levantar da cadeira nem sair de casa.
Talvez meus 40 anos que já se aproximam estejam ficando evidentes e aos meus olhos já nem tudo brilha como antes. Sempre fui fã e defensora dos inúmeros tutoriais que começaram a surgir na internet, não apenas de macramê mas de tudo o que se pode imaginar. Que maravilha poder aprender a fazer qualquer coisa sem precisar sair de casa, acho tudo isso magnífico! Sempre fiquei ressabiada com as polêmicas nos grupos de artesãos que criticavam quem “aprendia pelo youtube” e, se não já nos dias de hoje essa discussão seja no mínimo cômica, que atire a primeira pedra quem nunca viu um tutorial de alguma coisa pela internet?? Difícil ir contra a corrente.
Mas, dentro de todas as maravilhas dessa democratização do conhecimento em geral, algo me faz sentir que estamos perdendo alguma coisa. Não sei, repito, pode ser minha velhice que se achega, mas sinto que estamos perdendo um pouco a originalidade… As vezes quando circulo pelas imagens macrameiras das redes me parece tudo tão igual! Vejo trabalhos que poderia confundir com os meus, o que em outros tempos, jamais aconteceria! Ser original está sendo muito mais difícil nos dias de hoje pois o que é de praxe é a cópia. Cópia de estilo, de material, de tendência… Sim, entendo que é consequência do fácil acesso à informação e o conhecimento e continuo achando isso bom e incrível mas ando sentindo esse vazio na minha própria criatividade. Abalada pelo excesso de informação me pergunto se o que vou fazer não haverá alguém tendo a mesma ideia em outro lugar do planeta? Reafirmo que não acho que seja ruim mas sim que afeta minha própria forma de criar e causa até um certo desencanto.
A foto desse post é do ano de 2007 e decidi usar uma foto antiga onde apareço fazendo macramê pra mostrar como essa arte tem feito parte da minha vida há muitos anos. E foi muito antes de 2007 que aprendi meus primeiros nós, no final de 1998 coloquei o pé no mundo e comecei a viver do artesanato e viajar pelo Brasil. A especialização em macramê se deu já lá pelos anos 2005 quando eu fui migrando do arame para a linha definitivamente quando eu morava na Ilha de Margarita, na Venezuela.
O macramê era uma tendência crescente entre os artesãos da ilha na época, influenciados pela constante passagem de macrameiros de excelência de várias partes da nossa América Latina. Eu já tecia alguns nós mas a partir dessa época percebi que o macramê era muito mais que apenas uma técnica mais a se trabalhar e se tornou uma grande paixão e meu foco principal.
Naquela época não tínhamos youtube e para aprender era necessário viajar e estar em constante contato com outros artesãos. Fui aprimorando meus nós e meu estilo influenciada por tudo que estava ao meu redor. Da Venezuela parti para outros continentes, pela Europa conheci outras tendências nas artes dos nós, outros materiais, diferentes estilos de pedras. Quando cheguei na Índia um novo mundo se apresentou diante de mim, tantos estímulos a criar e o acesso à materiais que eu não tinha antes me fez mergulhar mais à fundo nesse Universo das linhas entrelaçadas.
E foi logo em após uma viagem de 6 meses pela Índia que retornei ao Brasil, em 2009, com meu filho em idade escolar e fui me instalar no local que já havia programado pra “virar pardal”, o Vale do Capão. “Virar pardal” é uma gíria usada entre os artesãos viajantes do Brasil (também conhecidos como “malucos”) que indica que os tempos de vida errante chegaram ao fim e assim como os pardais, escolhemos apenas um lugar para viver. E foi exatamente o que aconteceu durante esses últimos 10 anos. Me estabeleci aqui nesse belo povoado situado em um Vale em meio às montanhas da Chapada Diamantina. O macramê continua até hoje me dando meu ganha pão e as viagens, já mais espaçadas durante o ano, ainda alimentam minha alma sedenta por ver novas paisagens.
Dei muitas voltas pra dizer o que o macramê significa na minha vida porque o macramê simplesmente é parte essencial da minha a quase 25 anos. É o macramê que sustenta minha vida, minhas viagens, minhas inspirações. Não vivo apenas dessa arte de entrelaçar linhas, tenho outras fontes de renda, vendo outras artes e objetos hoje em dia em uma pequena loja com minha irmã (também artesã), mas o macramê continua presente em minha vida. As vezes desanimo pela falta de reconhecimento e valorização do trabalho artesanal. É muito difícil competir com a indústria que produz milhares de peças iguais, ou marcas que investem milhões em marketing e propaganda, mas continuo aqui na resistência. Mas porquê? Muitas vezes me pergunto isso! Se não é comercialmente lucrativo, a competência é muito desleal! Continuo porque é algo que me dá prazer. Porque quando estou tecendo meus nós, minha mente se esvazia por alguns momentos. Porque me dá prazer ver o resultado de uma criação, porque me dá alegria quando alguém compra um trabalho meu e faz um elogio, manda uma foto com um sorriso no rosto e o colar no pescoço. Existem muitas outras moedas de troca nesse mundo além do dinheiro, do monetário. O que o macramê me dá tem um grande valor emocional e afetivo. Talvez seja uma das coisas que ajudem a manter minha saúde mental, por isso não consigo parar, apesar das desilusões.
Concluindo, resolvi contar um pouco da minha história pois tenho refletido muito sobre política nos últimos anos e percebi que o capitalismo acaba colocando o foco apenas na mercadoria em si e nos faz esquecer quem está por trás delas. De onde vem, qual o esforço feito por alguém, qual a matéria-prima, a energia dispendida pra que aquele produto chegue até nós? Que história aquele objeto tem pra contar? É uma história linda de descobertas e alegrias ou é uma história de sofrimento e exploração? Talvez o mundo fosse diferente se pudéssemos nos fazer essas perguntas antes de comprar alguma coisa… Deixo aqui minha história e minha reflexão e a garantia de que se você adquire uma peça produzida por minhas mãos e, provavelmente, de quase todos os artesãos espalhados pelo mundo, está adquirindo muito além do que uma simples mercadoria, você carrega uma história de vida e com certeza, muito amor!
E você? O que o macramê significa na sua vida? Conte também sua história!
Que lindo!
<3